A Quaresma é o tempo favorável ao grande retiro (deserto de 40 dias) dos cristãos, preparando-se para a entrega, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Tempo de oração, penitência/reconciliação e caridade/esmola. Neste artigo quero me inspirar no Livro de Daniel (cf. Dn 9,4b-10), que faz um ato penitencial, proferindo uma oração que, poderíamos chamá-la, sem dúvida de “oração quaresmal”. Orações deste gênero eram compostas para tempos de calamidade para o povo. Em 2020 e 2021, estamos vivendo tempos de calamidades advindas da pandemia da Covid-19.
Reza o profeta, ajudando-nos em nosso desejo de conversão pascal: Eu te suplico, Senhor, Deus grande e terrível, que guardas a aliança e és leal com os que te amam e cumprem teus mandamentos. Reconhece rezando: pecamos, cometemos crimes, delitos e injustiças, rebelamo-nos, afastando-nos de teus mandamentos e preceitos. Nossos ouvidos estiveram trancados, não prestando atenção de entranhas aos teus servos, os profetas que falavam em teu nome. Não é somente o indivíduo que reconhece seus pecados diante do Senhor. É a oração da comunidade que busca o auxílio da misericórdia por seus inúmeros pecados. A comunidade inteira reconhece-se pecadora publicamente. A oração penitencial é restauradora. A comunidade contrita diante dos pecados recebe do Senhor porque há sinceridade e autenticidade na oração penitencial. Não é um fingimento envernizado porque o tempo penitencial chegou. Sim, o pecado desfigura, desqualifica e mata.
Tu, Senhor, és justo. Hoje a vergonha nos oprime. A ti convém a justiça, temos vergonha estampada no rosto. O profeta cita os lugares das práticas abomináveis: em Jerusalém, nos homens de Judá, em todo o Israel, seja aos que moram perto e aos que moram longe, de todos os países, por causa dos delitos que cometeram contra ti. Senhor resta-nos a ter vergonha no rosto, pois pecamos contra ti. Não obedecemos ao Senhor, nosso Deus, não seguindo as normas que nos dava por meio de seus servos, os profetas. A “vergonha” é a confusão do réu convicto.
Na terceira parte da oração Daniel reza: mas a ti Senhor, nosso Deus, cabe misericórdia e perdão, pois nos temos rebelados contra ti, e não ouvimos a voz do Senhor, nosso Deus, indicando-nos o caminho de sua lei, que nos propôs mediante seus servos, os profetas. Ao mesmo tempo em que o penitente reconhece sua negligências, ele sabe que Deus tem o poder de perdoar-lhe. Na linguagem bíblica o perdão e a misericórdia têm nome e identidade: o amor do Pai revelado no seu Filho, Jesus Cristo, Senhor e Redentor da humanidade. O que o Pai espera do filho é veracidade de seus delitos. Ou seja, eu reconheço minhas culpas e pecados. Tenho consciência que sou pecador, mas o que me enche de esperança e alegria é o amor restaurador do Pai pelo Filho Jesus.
Desejosos que as palavras de Daniel ecoam como convite ao nosso coração de caminhantes no deserto, nos 40 dias quaresmais, neste tempo propício em que meditamos a misericórdia do Senhor. Deus é justo e mantém a aliança, não obstante aos pecados de seu povo de ontem e hoje. Nós não nos esquecemos dessa justiça e temos, como rezou o profeta, a vergonha estampada no rosto. O rosto é o nosso cartão de visita. Somos identificados pelo rosto. As máscaras que usamos para proteger-nos do contágio do coronavírus tiram-nos a possibilidade de reconhecer-nos por completo. Elas nos deixam superficiais, pois nossa fisionomia facial é formada de diversos membros e todos conjugados ao mesmo tempo para a nossa identificação.
Entretanto, a misericórdia de Deus nos abraça, embora entre nós os abraços foram limitados e fomos isolados de abraços e olhares de amor, mas, devemos nos voltar de todo o coração, porque Deus não nos trata como exigem nossas faltas e pecados.
Dom Edgar Ertl Bispo da Diocese de Palmas e Francisco
Beltrão